Sunday, March 29, 2009

Ressuscitando o blog

Como posso levar a sério uma pessoa que me critica o uso do termo Historikerstreit ("A disputa dos historiadores"), síndrome de inapelável arrogância intelectual - muito embora o uso deste termo estrangeiro é comum e usual - e que, em um texto de sua autoria, utiliza Unmündigkeit em vez de simplesmente escrever minoridade?

John Hope Franklin morreu! :((((((((((((((((((((((((((((((((((

Uma coisa que me impressiona sistematicamente nas discussões que encontro, em português, sobre o Obama: o desconhecimento total que os extremos do espectro político têm da realidade americana.

Um dos espectros, os comunistinhas de butique, normalmente cursantes de ciências auxiliares (veja bem, não é a mesma coisa que ciências sociais; as ciências sociais - Sociologia, Antropologia e Política - possuem um valor imenso. Contudo, assim como o marxismo pode gerar, através da leviandade, o marxismo vulgar, as ciências sociais levianamente estudadas se tornam ciências auxiliares), tiram todo o valor da eleição de Obama - ou Obama, no fundo, é descrito como negro com alma branca, ou tal eleição ocorreu graças não à ação democrática das instituições americanas ou às presepadas homéricas do governo Bush, mas sim a fatores exógenos - o mais ridículo que já escutei foi a força das manifestações anti-Bush pelo mundo... como se um eleitor de Arcadia, FL fosse pensar no que um estudante de ciências auxiliares pensasse acerca do Dubya. Na verdade, é mais uma manifestação de uma visão binária e simplória que trata os EUA não como um Império contraditório, nem mesmo como um estado nazista (uma extrapolação que já seria ridícula por si só), mas sim como o Império de Guerra nas Estrelas. É o samba do marxista vulgar doido, que qualquer pessoa que passou pelo Campus do Vale já se cansou de ver.

O outro é mais engraçado, e, de certa forma, mais original. É o pessoal que venera Reinaldo de Azevedo e Olavo de Carvalho. Existe a esquerda, a centro-esquerda, a centro-direita, a direita e esses idiotas (obviamente, existe, antes da esquerda, uma parcela de imbecis, mas elas já foram existidas [COTA DE NONSENSE OBRIGATÓRIA] no parágrafo aí de cima). Demonstrando toda sua aguçada capacidade intelectual, eles falam: "Obama virou santo. A eleição dele é a infantilização da sociedade americana".

Primeiramente, eles cometem o pecado capital de tratar Obama como um imbecil, e há um eco da crítica contra Lula nesta forma de invectiva. Não quero entrar na questão do lulismo aqui, mas como, como, tratar um homem que foi presidente da Harvard Law Review com menos idade do que eles entraram na faculdade (e eu no mestrado)? Alguém que é Juris Doctor magna cum laude? Decerto, pode-se perfeitamente discordar de Obama; ele vai acabar se enganando - e se o Camarada Krugman estiver certo, já se enganou, e gravemente (e, caso Obama não tenha se enganado, foi o Camarada Krugman que se enganou, e gravemente); mas daí a tratar Obama como se ele fosse um bobalhão?

Depois, eles tratam da sociedade ocidental como se esta fosse um todo coerente. A eleição de Obama seria um epifenômeno, teria cheiro do "homem epidérmico" brasileiro (cito, tirem suas próprias conclusões). Que cada sociedade tenha sua própria história - e mais, que provavelmente Obama sequer tenha ouvido falar (pelo menos antes das eleições), como a maioria da sociedade americana, em "Luís Inácio Lula da Silva" - não passa pela cabeça deles. Que a eleição de um torneiro mecânico em um país do Terceiro Mundo em 2002 e a eleição de um advogado negro em uma superpotência em 2008 tenham significados diferentes não é levantado como questão.

Depois, ignoram totalmente a lógica do significado de tal eleição. O 5 de novembro de 2008 é tratado como a vitória do politicamente correto. É como se Obama entrando na Casa Branca fosse o equivalente à expulsão de Coleman Silk por ele usar o termo spooks em sala de aula (se não leram A Mancha Humana, de Philip Roth, não perderam grande coisa). Que a vitória de Obama implica algo mais profundo que isso, um ponto que demonstra o fim de um processo histórico na sociedade americana, é algo que eles ignoram, ou por desconhecimento ou por preconceitos. Que a sociedade americana entrou na Era de Reagan em 4 de novembro de 1980, e que as idéias defendidas majoritariamente - mesmo no interlúdio democrata de Clinton, que foi refém de um Legislativo republicano durante praticamento todo o seu mandato - durante esta época entraram em colapso, mercê de um simultâneo sucesso (a União Soviética foi derrotada, afinal de contas, e o centro vital da política americana deslocou-se decisivamente para a direita) e fracasso (as voodoo economics reaganianas podem ser responsabilizadas pelo colapso do sistema bancário americano). Que tais processos históricos são recorrentes dentro da lógica democrática americana - antes da Era de Reagan, tivemos a Era do New Deal (e, se o fracasso da primeira encontra-se sob Bush filho, a da segunda encontra-se sobre Lyndon Johnson), a Gilded Age, a Era Progessista - escapa de sua refinada capacidade gnômica: não é apontado que o centro vital da política americana, historicamente, é como um pêndulo, tendendo por vezes à direita (Era de Reagan), por vezes à esquerda (New Deal). A eleição de Barack Obama não é a vitória do politicamente correto, e sim o final do movimento em direção à direita de tal pêndulo - o que é cabalmente demonstrado pelo enfraquecimento completo do Partido Republicano, que virou uma paródia de si mesmo.

Os membros desta direita radical mostram também que suas informações acerca da realidade política americana derivam de uma única fonte: a TV Globo. Ignoram completamente o contexto da direita americana, o que lhes é uma vantagem, posto que este contexto é absolutamente lamentável. Nunca leram Bill Kristol (que está para seu pai, o reacionário - e brilhante - Irving Kristol, assim como Cômodo está para Marco Aurélio... minto; Cômodo mesmo se destacou em alguma coisa) ; desconhecem de maneira completa o texto de Rich Lowry acerca de Sarah Palin depois do debate desta com Joe Biden (algo que está além de qualquer paródia; ao que parece, Lowry, durante o debate, ficou... batendo punheta para Sarah Palin); ignoram as sandices de Michelle Bachmann, o pomo-de-adão de Ann Coulter, o bling bling de Michael Steele ("You be da man, Michael Steele!" - Bachmann, por supuesto - quer dizer, desde que tu saiba algo da política americana), Glenn Beck e sua paranóia (bem como seu "Larry, o peixe morto"), Bill O'Reilly e suas desventuras com falafel, Joe the Plumber ("aka, GO AWAY" - Jon Stewart), Sean Hannity e sua perspicaz crítica de Obama ("He's just like Clinton") e o rei Momo desta grotesca manada, Rush Limbaugh. Na verdade, eles precisam ignorar este conjunto de idiotas; o reflexo ideológico deles, na terra do capitalismo, seria muito pouco aprazível para si mesmos (a saber, o meu reflexo ideológico nos EUA é, digamos, Frank Rich)..

Minto: uma parcela da direita, a direita pensante, se manifestou a favor de Obama, e votou nele. Ou talvez nem tão (necessariamente) pensante assim: eles apenas constataram o imenso esvaziamento do Partido Republicano. Entre tais bolchevistas do politicamente correto encontram-se Francis Fukuyama (sim, o cara do fim da História votou no Obama!), Christopher Buckley - sim, filho daquele Buckley -, Chuck Hagel (um perigoso maoísta, membro do Partido Republicano) e Colin Powell, um homem que conheceu na pele a incompetência do governo Bush - posto que foi parte dele. Os motivos de cada um variam, mas não me passa pela cabeça que qualquer um destes homens votou em Obama ou por causa do politicamente correto (na verdade, provavelmente fizeram o contrário: Obama é um negro que torna a categoria do politicamente correto negro americano, exemplificado nas figuras de Jesse Jackson e Al Sharpton, irrelevante), ou porque desejam um Estado-babá que cuide de todas as suas necessidades.

E - claro - um fator escapa da análise primária que tais membros da sábia aristocracia ocidental, guardiões da tradição do Ocidente (em evidente contraposição à plebe ignara, estúpida e politicamente correta) fazem de Obama. Um fator que se tornou decisivo para que Obama ganhasse, de maneira decisiva, em praticamente todos os swing states. Dez letras, separadas por um espaço - e separadas pelo coração de um homem de 72 anos, que já sofreu vários melanomas, do governo da maior potência do mundo. Qualquer termo para descrever a imbecilidade verdadeiramente homérica de Sarah Palin é inócuo. Uma imagem vale mais do que mil palavras.

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