Quando entrei na faculdade de História, os conhecidos professores de História Contemporânea falavam dez frases. Das dez, nove eram críticas à CNN. Que, dos três professores de História Contemporânea, apenas um soubesse inglês e conseguisse entender o que Larry King estava falando é um pequeno detalhe (como também o é a existência da "adoração abjeta", tão bem descrita por Nelson Rodrigues, sobre Sartre) - que tal professor tenha saído do departamento de História não foi apenas uma atitude sintomática, como também inteligente.
Mas enfim. A CNN. Era tratada como instrumento do imperialismo estadunidense, toda aquela retórica do marxista doido que eu não tenho estômago para repetir. "Guerra virtual do Iraque" (a primeira Guerra do Golfo, bem lembrando), "defesa dos interesses estadunidenses" e tudo o mais.
(Eles não contavam com a Fox News! Eles não conseguem sequer escutar a Fox News! Vocês não imaginam como eu invejo alguém que nunca escutou a Fox News!)
A CNN não é nada disso. Criticá-la por sua pretensa defesa do imperialismo estadunidense é equivocado, caso o interlocutor saiba inglês, e intelectualmente desonesto, caso não o saiba.
O grande problema da CNN é que ela prega o jornalismo isento. Tal como a Veja. A afirmação de que exista o jornalismo isento é ridícula: a Veja obviamente não o pratica.
Mas a CNN vai além: ela tenta, conscientemente, praticar o jornalismo isento. O resultado é a programação bisonha da emissora, que tenta fazer com que qualquer assunto seja tema de "debate". A imposição do governo do Texas de, entre outras peripécias, expurgar o nome de THOMAS JEFFERSON do ensino escolar das escolas estaduais é vista com "neutralidade": isto é, convida-se algum historiador que defenda o evidente - Thomas Jefferson é provavelmente o mais influente dos Pais Fundadores - e um enlouquecido que defenda o indefensável, o expurgo do nome daquele que é o pensador mais influente da democracia moderna (pois a democracia ocidental tem um forte perfil jeffersoniano). E trata a situação como se ela merecesse algum debate! O governador de algum Estado sulista (acho que a Virgínia; posso estar errado, mas estou com preguiça de checar) declarou que abril seria o "Mês da História Confederada", e o que a CNN faz? Convoca um debate!
E a posição da CNN é sempre a de uma covarde "via média". Se uma posição afirma "0", e outra afirma "10", a CNN com certeza vai afirmar, invariavelmente, "5".
Dito de outra forma: o jornalismo da CNN é a mesma coisa que sexo para um eunuco. É uma coisa totalmente anódina, inofensiva; não é anti-intelectual (como a Fox News o é), mas "aintelectual". É direcionado para o dorminhoco americano do Meio-Oeste, aquele habitante de uma cidade do Montana ou do Idaho profundo, de 50.000 habitantes, quando este não se dá o trabalho de agir (quando age, age de maneira enlouquecida, formando grupos do Tea Party), não para o indivíduo esperto e conectado de Los Angeles, São Francisco, Seattle ou Nova York (estes últimos, mais espertos e cosmopolitas do que quaisquer outros no mundo. Se você acha que Paris é mais intelectualmente significativa do que Nova York, o suicídio não é apenas um dever como é, também, uma virtude, no seu caso).
Talvez esta estratégia tenha funcionado nos EUA da década de 90, gordos e inativos, frente à glória de serem a única superpotência do mundo, tendo bebido profundamente do cálice da schadenfreude frente à "estagnação" econômica da Europa, a estagnação econômica do Japão, uma prosperidade econômica importante (mas não sem precedentes) e ao completo colapso da Rússia de Yeltsin.
Os EUA da década de 10, humilhados pelos seus fracassos no Iraque e no Afeganistão, abalados por uma crise econômica que, na sua hubris, achavam que eram imunes, frente a uma China que parece que lhes irá engolir daqui a pouco tempo (historicamente falando: isso é uma promessa futura, mas a própria idéia de "América" depende intrinsecamente de uma idéia de "futuro", futuro este que parece bem menos promissor hoje do que em 1990, em 2000 e mesmo em 2005) e a uma América Latina que lhes escapa do controle (não falo do folclórico Chavez, mas do Brasil e do Chile), frente à Rússia de Putin, tendo sofrido não apenas um, mas dois governos da Besta, rejeitaram totalmente tal espécie de jornalismo, seja pela esquerda inteligente (MSNBC), pela esquerda estúpida (Moveon.org) ou pela direita estúpida (Fox News. A direita inteligente deixou de existir como força política relevante nos EUA há muito. Ross Douhat e Andrew Sullivan são indivíduos inteligentes de direita, mas apenas indivíduos).
Resultado: em uma época de declínio, e mesmo colapso, dos veículos tradicionais de mídia dos EUA, o caso CNN é muito pior que o da média. Você sabe que está numa pindaíba danada quando o New York Times parece ser um veículo vibrante, cheio de energia (e de grana) em comparação contigo. A CNN perdeu quase 50% de sua audiência desde 2009. O aluno neófito de História de 2010, caso se depare com as mesmas críticas que eu escutei em 2002/03, não apenas enfrentará uma crítica equivocada (ou mesmo estúpida, no caso dos gloriosos professores monolingues - dialeto e espanhol não são línguas), como também irrelevante. O modelo de jornalismo da CNN parece destinado à lata de lixo da História.